sexta-feira, 10 de julho de 2015

Conto de Terror #1

Nunca fui um enorme fã de armas, essas ceifadoras de vida feitas de metal frio não me trazem nenhuma excitação ou prazer, ao contrário das laminas e agulhas que estão presentes em minha vida desde que eu posso me lembrar.
Quem sou eu? Apenas um pedaço de alguem que nunca foi ninguem. Uma existencia fraca que daqui a poucos minutos não estará mais presente neste mundo.
Se ninguem ouve quando um homem puxa o gatilho, a morte dele faz som?
Você deve achar que tudo o que vou dizer a seguir é alucinação e coisa da minha mente debilitada de usuário de heroína, e eu espero que você esteja certo. Mas se por algum motivo isso for verdade, não deixe o mal entrar, nunca deixe o mal entrar.
Já se sentiu desprezado e humilhado? Destruiram você com palavras e atos constantes visando acabar com sua auto estima? Eu não. No periodo escolar eu era o rapaz que agia como um completo babaca, e era o que alguns chamam de bully ou valentão, apesar de ser um cara franzino e não ter ganhado sequer uma briga na vida.
Meu dom, por assim dizer, eram as palavras e a minha beleza que deixava as pessoas mais influenciaveis ao que eu dizia. Sabia que quanto menos contraste um rosto tem, mais confiavel ele parece?
Não sei exatamente quantas pessoas foram prejudicadas ou quantas vidas foram destruídas pelos meus atos, mas a que me fez sair do ensino médio foi a do Jesse.
Ele era exatamente um perfeito alvo, ele era gordinho, muito introvertido e inseguro... e gay.
A vida dele era um inferno e eu era o Diabo pessoal dele.
Expus suas poesias secretas destinadas a um outro garoto a toda a classe, fiz um outro rapaz se fingir interessado nele só pra conseguir fotos ridiculas nuas dele e espalhar por toda a classe. Entre essas e muitas outras, o meu ultimo ato contra este garoto foi juntar dezenas de absorventes e banhar eles com sangue de porco, colocar em um balde de metal enorme e jogar nele quando ele estava saindo de casa.
Foi dificil sabe? Ele estava muito traumatizado pelo lance das fotos e se isolou de qualquer contato. Mas eu era paciente e não tinha a menor vontade de deixar ele em paz. Ver as reações dele era meu vicio, todo aquele medo, aquele ódio reprimido, eu posso jurar que ele até devia ter desejos secretos por mim.
Depois disso Jesse pela primeira vez reagiu. Ele disse a todos nós como se sentia, escrevendo por toda a sala com sangue, não sei se era o próprio sangue dele ou de algum animal, porem o corpo dele estava cheio de cortes sentado sem vida em minha cadeira, com as palavras "PORQUINHO BICHA" escritas em seu peito.
Eu nunca pensei que aquela ridicula sala cinzenta cheia de cadeiras brancas tão limpas quanto a faxineira podia deixar e com aquele quadro negro de cor verde escuro fosco poderia parecer tão colorida com sangue. Queria eu poder enchergar aquilo como uma obra de arte, mas o porquinho bicha me fodeu. Pela primeira vez o desgraçado do Jesse acabou comigo.
Não que isso importe agora, mas eu tinha uma namorada. Ela era uma linda jovem com cabelos negros lisos e uma franja bagunçada, seus olhos refletiam o que estava no mais profundo canto de sua alma, e nossos corpos eram como encaixes quase perfeitos.
Ela não estudava comigo, e eu não era um monstro quando estava ao seu lado. De alguma forma havia algo nela que tirava o melhor de mim
Jesse acabou com isso.
Jesse acabou comigo.
Esse porquinho safado.
As coisas mudaram depois do suicidio de Jesse, minha vida sofreu um declínio gigante, e parecia que minha alma estava em uma constante queda sem nunca tocar o chão. Um loop infinito de desespero.
Terminei meu namoro, ou ele se terminou por mim. Ela era boa demais, se importava demais, e sua voz não saiu daqui. Ela nunca sai daqui.
Merda.
A heroína vem sempre dos amigos que surgem em becos escuros e baladas superficialmente felizes pra disfarçar o vazio interno que nós sentimos ao dançar sozinhos esperando que alguem venha e segure nossa mão.
As ruas da cidade grande nunca esvaziam. Nunca.
Minha lábia fez meus pais comprarem um apartamento pra mim, algo grande pra um jovem agora solitário, entretanto comum pra alguém com o dinheiro que eu tinha. Ou melhor, que meus pais me davam
Tudo reluzia no meu pequeno lugar para nada, os moveis pareciam ter sido escolhidos a dedo por mais um daqueles desiners gays com um padrão de gosto parecido, que encaram moveis e decoração como um tipo de arte desvalorizada.
Lembra-se do que eu disse? Não deixe a porra do mal entrar.
Minha ex me ligou naquela tarde de domingo. Não senti um pingo de remorso em sua voz, parecia só... ódio reprimido.
A conversa foi cordial mas não se estendeu por muito tempo. Ela tinha que ir.
Deitado foi onde eu ouvi bater. Bater suave e sem pressa. As batidas vinham do andar de cima, eu apenas amaldiçoei o maldito vizinho em silêncio e tentei me concentrar em outra coisa.
Bate. Bate. Bate. Bate.
Aquelas malditas batidas iam aonde quer que eu fosse. Não tinha um comôdo do apartamento onde eu não ouvisse batidas.
Decidi ir dar uma volta. Pro inferno meu vizinho e suas batidas.
Bate. Bate. Bate. Bate.
Ao tocar minha maçaneta eu caí no chão. Minha energia completamente se esvaiu de mim.
Porra.
Imaginei que fosse algum efeito colateral de qualquer coisa que eu tenha usado na noite passada. Até eu ouvir passos. Os passos eram violentos, mas as batidas que vinham de cima aumentaram a força pra se manter no ambiente.
Aquilo ja era um inferno, mas eu não aceitava a ideia do sobrenatural. Nada alem da porra de um efeito colateral de drogas pesadas estava acontecendo comigo, era o que eu dizia a mim mesmo.
Até eu ouvir aquilo.
Porquinho bicha.
Não seja idiota, não era o espirito do Jesse. Se existe um céu, Jesse está lá. Foda-se o fato do suicidio, ele não tinha muito a fazer, pobre porquinho.
As minhas palavras ecoavam pelo ar.
Pequeno porquinho.
Gordinho bicha.
Nunca vai ser alguem.
Tentei olhar pra direção de onde a voz parecia vir, era a porra da minha voz, porem a luz do ambiente foi sugada como se eu tivesse entrado dentro de um poço de pixe.
Lapsos de luz iluminavam uma figura ao longe. E era... tão longe. Minha noção de espaço não era das melhores, mas o apartamento definitivamente não era grande o suficiente para que aquela figura estivesse dentro dele.
A principio não conseguia entender o que era aquele borrão ao longe, mas a cada vez que a luz piscava em pequenas frações de segundo algo novo se mostrava mais facil de ver.
A figura não se aproximava ou se mexia, eu apenas a enxergava cada vez melhor. Sua silhueta era humana ou semelhante, usava um longo manto vermelho e seu pescoço era envolto por flores brancas, sua cabeça... ah sua cabeça... era uma cabeça de porco.
A figura se abaixou e pegou uma placa no chão, uma placa branca com a minha letra em vermelho sangue.
EU SOU SEU DIABO PESSOAL.
Gelei naquele momento, lentamente senti meu corpo ser chacoalhado pelos ombros e de repente uma mão atingiu meu rosto trazendo de volta a luz ao ambiente.
Eu estava na minha cama, e ela estava em cima de mim. Perguntou se eu estava bem. Queria saber o motivo dos gritos e porquê eu não atendi suas ligações.
Ela sabia abrir fechaduras e agora ela estava tentando abrir minha mente aos poucos, como uma cebola ela ia tirando camada por camada.
Discutimos por um tempo e eu nem me lembro o porquê. Também não fazia ideia de como de repente ela estava de volta na minha vida. E porque ela não simplesmente ia embora como devia fazer.
Eu expulso ela com palavras, mas estranhamente nossos corpos se conectam nesse momento.
Não imagine um beijo romantico, nem algo quente depois de uma discussão acalorada. Isso é mais estranho do que eu posso explicar.
Em poucos minutos estamos despidos e eu estou por cima dela, não com carinho, mas nada violento.
Era lento mas intenso, e continuamos nisso por longos minutos, os seios dela colados no meu peito e sua respiração ofegante no meu pescoço.
Talvez fosse o sexo que mantivesse ela aqui comigo. E talvez fosse ela a única que conseguisse me levar pra cama lúcido nesses dias.
Tudo era muito prazeroso e aqueles olhos me fitando cheios de desejo me faziam só querer ficar dentro dela o maximo que podia.
Ela se remexia embaixo de mim e eu a encarava acariciando seu corpo devagar.
E ai as batidas voltaram.
A penumbra voltou e eu fui ao chão. A risada era histérica agora e o meu diabo pessoal com cabeça de porco segurava o corpo sem vida dela pelo pescoço.
Merda. Merda. Merda.
O porco passeava com suas mãos pelo corpo dela devagar, e me olhava enquanto fazia isso.
Viadinho.
Jesse era um viadinho covarde.
Suicidas vão pro inferno.
Minhas podres palavras ecoavam.
O porco perfurou o ventre dela com uma longa lamina e expôs seus orgãos que caiam pra fora de sua pele, misturados a pedaços de sua carne e sangue, bastante sangue. Ele esfregou seu rosto imundo nas entranhas dela e a jogou no chão.
O filho da puta me encarou e eu juro por Deus que eu vi ele sorrir. Ele rasgou uma parte de seu manto, perto do que deveria ser a pélvis de um homem e pôs pra fora o que parecia um penis.
Merda. Merda.
Ele fez, sim ele fez com ela. O filho da puta violou o corpo dela enquanto eu assistia, e meu Deus, eu vi ela se contorcer, eu ouvi os gemidos dela... eu ouvi ela chamar o meu nome.
Tudo virou apenas penumbra.
E então luz.
Eu estava no meu banheiro, completamente banhado em sangue, e tinha algo escrito no espelho.
EU SOU SEU DIABO PESSOAL.
Andei ate o quarto com as pernas tremulas e uma sensação indescritivel passando por todo meu corpo. Algo terrivel.
Havia uma mulher na minha cama, dilacerada, orgãos expostos e pedaços de sua carne e sangue espalhados em meu lençol.
Não era ela. Eu não atendi o telefone.
Era alguem que eu não lembro inteira, mas agora vou levar seu rosto pro tumulo comigo.
Agora estou aqui, imaginando no que ela teve a ver com aquilo. Ela ela você entende? Aquela! Não uma qualquer como a que morreu.
Ela me olha de longe. E eu apenas sorrio de volta.
Jesse seu porquinho imbecil... parabens.
Ela sorri.
Se ninguem ouve quando o mal domina você...
O diabo faz som?

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